O livro de
Alfred Lansing, A Incrível viagem de Shackleton (Editora Sextante), é um relato
de uma Odisseia moderna.
O mundo há havia
visto todas as formas de exploração. Os continentes há muito haviam sido
singrados por homens como Cristóvão Colombo, Pedro Álvares Cabral e Vasco da
Gama, e as Américas haviam sido descobertas, bem como a passagem para as Índias
e a circunavegação. Os continentes
estavam com suas fronteiras definidas, o Pólo Norte havia sido revelado, e não
havia mais nenhum canto do mundo onde os homens do século XIX poderiam exercer
atos de bravura fustigados pela adrenalina que corriam em suas veias.
Todos os
lugares? Não.
Havia um ponto
do globo – apenas um ponto! – em que ninguém havia realmente conseguido chegar.
Um lugar inóspito, sem animais selvagens, sem culturas estranhas que poderiam
se revelar agressivas aos viajantes europeus: A Antártida, o frio, belo e
misterioso continente do sul.
O Polo sul era
uma espécie de imã que atraia os exploradores europeus da virada do século
passado, e em especial três destes exploradores foram responsáveis pelas
maiores histórias deste período: o norueguês Roald Amundsen e os ingleses
Robert Scott e Sir Ernest Shackleton.
Scott e
Shackleton já haviam tentado alcançar o polo sul em uma malfadada expedição em
1901, quando a divergência de opinião entre os dois causaram profundos
problemas, como a desnutrição e o escorbuto, além da insistência de Scott em
levar cavalos no lugar dos cães. Anos mais tarde houve nova tentativa de Scott,
que se preparou de forma errada para a conquista, com cães totalmente
despreparados e uma equipe muito grande que dificultou sua mobilidade, naquela
que seria considerada a expedição mais malfadada da história.
Divulgou sua
partida com pompas, porém não percebeu que o comandante Amundsen partira na
surdina para a mesma tentativa na noite anterior, extremamente mais bem preparado.
Os cães de trenó da expedição de Amundsen cobriam mais de 50 km por dia,
enquanto a expedição de Scott, a muito custo, cobria 18 km. Pior: era um
período onde as comunicações era incipientes, e um simplesmente não sabia que o
outro estava com os mesmos objetivos, pois Amundsen, muito mais introspectivo
que Scott, não havia espalhado seus objetivos.
Imagine a
tristeza de Scott e seu grupo ao chegarem no Polo Sul e encontrar a bandeira da
Noruega tremulando. Exaustos, abatidos, com fome e frio, todos os homens de
Scott – incluindo ele próprio – morreram na volta. Amundsen só falhou ao não
levar provas de sua chegada ao Polo... o que só seria provado ao encontrar-se
os corpos da expedição de Scott e com a revelação dos filmes das máquinas
fotográficas que seriam encontradas com os membros mortos mostrando a bandeira
da Noruega fincada no Polo Sul.
O que fez,
porém, que destes três expedicionários o mais famoso tenha sido Ernest
Shackleton? Ele foi comandante de uma expedição onde não houve sucesso algum. O
barco em que viajavam – o Endurance –
encalhou numa banquisa no mar de Wedell, incapacitando o grupo de viajar e
forçando-os a permanecerem juntos por mais de seis meses à espera de socorro.
Como o Polo já havia sido atingido, Shackleton e seu grupo queriam cruzar a
Antártida passando pelo Polo Sul, do mar de Wedell ao mar de Ross. Livros foram
escritos sobre a empreitada cuja história hoje fascina o público pelos quatro
cantos do mundo.
A resposta está
na incrível capacidade de Shackleton de comandar o grupo, manter um grupo de 16
homens de diferentes gênios e capacidades unidos ainda que sem esperança e à
beira da morte. Montou grupos de trabalho de acordo com a capacidade de cada
um, mandando os mais briguentos e ativos partir em busca de ajuda em um
barquinho a remo (sabia que eles eram os únicos do grupo com garra suficiente
para sobreviver aos desafios). Separou os mais otimistas e os enviava em grupos
de caça para trazer comida para o grupo e animava as tardes solitárias com
jogos de futebol na neve.
O grupo de
batedores retornou, trazendo ajuda e salvando todos os componentes da equipe,
que nem por um momento deixaram de acreditar em seu comandante.
Hoje não há mais
lugares para heroísmo. O Atlântico Sul foi desbravado por Amyr Klink. O Everest
por Sir Edmund Hillary. O Oeste Selvagem já não oferece mais as emoções que
oferecia na colonização. O espaço cósmico já foi desbravado e até a Lua já
recebeu o homem. Mas de todos estes, foi a bravura e a inteligência de Ernest
Shackleton que rendeu as melhores
histórias, embora sua expedição tenha sido um fracasso.
Mas é a prova de
que, por mais que o homem tente se afastar, a grande aventura é desbravar a si
próprio.