segunda-feira, 25 de março de 2013

A INCRÍVEL VIAGEM DE SHACKLETON



O livro de Alfred Lansing, A Incrível viagem de Shackleton (Editora Sextante), é um relato de uma Odisseia moderna.

O mundo há havia visto todas as formas de exploração. Os continentes há muito haviam sido singrados por homens como Cristóvão Colombo, Pedro Álvares Cabral e Vasco da Gama, e as Américas haviam sido descobertas, bem como a passagem para as Índias e a circunavegação.  Os continentes estavam com suas fronteiras definidas, o Pólo Norte havia sido revelado, e não havia mais nenhum canto do mundo onde os homens do século XIX poderiam exercer atos de bravura fustigados pela adrenalina que corriam em suas veias.

Todos os lugares? Não.

Havia um ponto do globo – apenas um ponto! – em que ninguém havia realmente conseguido chegar. Um lugar inóspito, sem animais selvagens, sem culturas estranhas que poderiam se revelar agressivas aos viajantes europeus: A Antártida, o frio, belo e misterioso continente do sul.

O Polo sul era uma espécie de imã que atraia os exploradores europeus da virada do século passado, e em especial três destes exploradores foram responsáveis pelas maiores histórias deste período: o norueguês Roald Amundsen e os ingleses Robert Scott e Sir Ernest Shackleton.

Scott e Shackleton já haviam tentado alcançar o polo sul em uma malfadada expedição em 1901, quando a divergência de opinião entre os dois causaram profundos problemas, como a desnutrição e o escorbuto, além da insistência de Scott em levar cavalos no lugar dos cães. Anos mais tarde houve nova tentativa de Scott, que se preparou de forma errada para a conquista, com cães totalmente despreparados e uma equipe muito grande que dificultou sua mobilidade, naquela que seria considerada a expedição mais malfadada da história.


Divulgou sua partida com pompas, porém não percebeu que o comandante Amundsen partira na surdina para a mesma tentativa na noite anterior, extremamente mais bem preparado. Os cães de trenó da expedição de Amundsen cobriam mais de 50 km por dia, enquanto a expedição de Scott, a muito custo, cobria 18 km. Pior: era um período onde as comunicações era incipientes, e um simplesmente não sabia que o outro estava com os mesmos objetivos, pois Amundsen, muito mais introspectivo que Scott, não havia espalhado seus objetivos.

Imagine a tristeza de Scott e seu grupo ao chegarem no Polo Sul e encontrar a bandeira da Noruega tremulando. Exaustos, abatidos, com fome e frio, todos os homens de Scott – incluindo ele próprio – morreram na volta. Amundsen só falhou ao não levar provas de sua chegada ao Polo... o que só seria provado ao encontrar-se os corpos da expedição de Scott e com a revelação dos filmes das máquinas fotográficas que seriam encontradas com os membros mortos mostrando a bandeira da Noruega fincada no Polo Sul.

 

O que fez, porém, que destes três expedicionários o mais famoso tenha sido Ernest Shackleton? Ele foi comandante de uma expedição onde não houve sucesso algum. O barco em que viajavam – o Endurance – encalhou numa banquisa no mar de Wedell, incapacitando o grupo de viajar e forçando-os a permanecerem juntos por mais de seis meses à espera de socorro. Como o Polo já havia sido atingido, Shackleton e seu grupo queriam cruzar a Antártida passando pelo Polo Sul, do mar de Wedell ao mar de Ross. Livros foram escritos sobre a empreitada cuja história hoje fascina o público pelos quatro cantos do mundo.

A resposta está na incrível capacidade de Shackleton de comandar o grupo, manter um grupo de 16 homens de diferentes gênios e capacidades unidos ainda que sem esperança e à beira da morte. Montou grupos de trabalho de acordo com a capacidade de cada um, mandando os mais briguentos e ativos partir em busca de ajuda em um barquinho a remo (sabia que eles eram os únicos do grupo com garra suficiente para sobreviver aos desafios). Separou os mais otimistas e os enviava em grupos de caça para trazer comida para o grupo e animava as tardes solitárias com jogos de futebol na neve.

O grupo de batedores retornou, trazendo ajuda e salvando todos os componentes da equipe, que nem por um momento deixaram de acreditar em seu comandante.

Hoje não há mais lugares para heroísmo. O Atlântico Sul foi desbravado por Amyr Klink. O Everest por Sir Edmund Hillary. O Oeste Selvagem já não oferece mais as emoções que oferecia na colonização. O espaço cósmico já foi desbravado e até a Lua já recebeu o homem. Mas de todos estes, foi a bravura e a inteligência de Ernest Shackleton         que rendeu as melhores histórias, embora sua expedição tenha sido um fracasso.

Mas é a prova de que, por mais que o homem tente se afastar, a grande aventura é desbravar a si próprio.